Fazer Amigos a Correr

Histórias desta minha paixão que é a corrida

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

101 Kms de Ronda

Sejam bem vindos a este meu espaço!
Para começar, gostava de partilhar convosco, o relato que fiz após ter terminado aquele que foi, até hoje, o grande desafio que enfrentei em termos de corridas:

Sexta-feira levantei-me ás 3h30m,pois tinha combinado com o meu amigo Vítor Coelho ás 4h, para estarmos em casa do António Oliveira, no Freixo, ás 4h30m. Pontualíssimos, lá chegamos e tratamos de esperar pelo Ângelo Pereira e pelo Fernando Rocha, para então iniciarmos a nossa viagem para Ronda. Os minutos passavam, a ansiedade crescia e apareceu o Ângelo, telefonamos para o Fernando e foi quando soubemos que não iria, pois por motivos profissionais, ainda estava na Alemanha (que pena!).
Lá demos início á nossa viagem e chegamos a Ronda cerca das 14h, tratamos de almoçar e ás 16h30m era hora de tratar das formalidades (levantar dorsais, passaporte, alojamento, etc.) para participarmos na festa da Legião. Depois de um passeio por Ronda, fomos jantar, já por conta da organização e viemos para o Polidesportivo onde já se encontrava á nossa espera o João Oliveira (PortoRunners), outro grande ultra atleta.
Conversou-se um bocado antes da "deita" e lá tratamos de descansar o possível. Nunca durmo muito bem pois os níveis de ansiedade estão tão elevados que mal consigo dormir, mas pelo menos tento relaxar o corpo ao máximo.
Ás 7h(hora espanhola) da manhã de sábado toca a corneta para o despertar e então começa a algazarra e a adrenalina começa a subir, aproxima-se o momento tão esperado. Feita a higiene pessoal, aliviadas as necessidades fisiológicas, é chegada a hora de tomar um bom pequeno-almoço para ir com as baterias bem carregadas. Partimos então para o local de partida, um campo de futebol, que fica sensivelmente a 10 minutos do Polidesportivo, a "romaria" era enorme, só para terem uma ideia - 2500 marchadores, 600 equipas de 5 marchadores, 600 atletas de duatlo (77km de bicicleta+24 de corrida) e 3000 BTT - o ambiente era fantástico, até arrepiava!
Ás 10h30m é dada a partida para os BTT e eu a pensar, "está quase a chegar a minha hora". Foram vinte minutos a ver passar bicicletas e então chega a hora de nos posicionarmos para a grande aventura. Na minha cabeça, e naqueles momentos só havia pensamentos para a família, o apoio tem sido indescritível. Carmo, Joana, Marta e Rita eram as palavras que mais ecoavam na minha cabeça, por vós eu sofri com alegria!
11h da manhã em Espanha, cerca de 30 graus e o canhão dá a partida!
Começa a festa!
A festa começava e eu logo ali, já a prever um pouco do que se viria a passar, encharquei o meu boné com água, pois o calor já apertava. Combinamos, eu o Vítor e o Ângelo, que iríamos fazer o percurso dentro da cidade de Ronda, juntos, mas eles estavam tão entusiasmados e eu tão cauteloso, que cerca dos 2kms eles “tiraram bilhete” e eu fiquei “sozinho”( já era de prever pois eles têm mais experiência do que eu e tinham objectivos diferentes dos meus), não me importei nada pois assim geri a corrida como muito bem entendia. Ainda dentro de Ronda passou por mim a Verónica e outro companheiro do “Mundo da Corrida”, mas não deu para os acompanhar muito tempo pois o ritmo deles era outro e eu sempre cauteloso.
Chegados cerca dos 5kms aparece a primeira subida que foi feita sem dificuldades, mas sentia que o calor ia fazer mossa. Logo aí se sentia a solidariedade dos espanhóis, a meio da subida havia um espanhol á porta da sua habitação a dar-nos água de mangueira (deu para encharcar o boné) e os seus filhos a dar rebuçados aos atletas ( espectacular!!).
A corrida decorria com normalidade, um constante sobe e desce, os abastecimentos sucediam-se mais ou menos de 5 em 5kms, não perdi nenhum, atacava na água, Aquarius, banana e laranja, sem esquecer que o boné era sempre encharcado, até que cerca do 30kms aparece a primeira “parede”. Uma subida com uma inclinação tal, que dos 30kms até aos 35kms subíamos dos 550metros de altitude até aos 900metros, brutal!! Passei nessa subida uns companheiros do Clube Millenium, mas não deu para andar com eles pois o ritmo deles era muito inconstante e ora passava eu ora passavam eles.
No abastecimento situado aos 34,180kms apanho eu o primeiro susto! O abastecimento está situado fora do trilho, no meio da mata, e ao caminhar na sua direcção dei um pontapé num ferro que estava espetado no chão e acertei-lhe em cheio com a canela. Não sangrava, mas fiquei logo esmurrado e aparece-me um “papo” que me assustou, peguei num copo de água, deitei em cima, não tinha dores, por isso siga a viagem! Só alertei, antes de partir, um soldado para o ferro e ele tratou logo de o retirar, o primeiro susto tinha passado!
O calor cada vez apertava mais!
A corrida continuava, eu continuava sozinho, quando atravesso o meu único período de crise!
Abasteci aos 49,300kms e pelo que informava no passaporte, o próximo abastecimento em Setenil, seria aos 53,200kms. Não sei o que se aconteceu, mas sei que os kms passavam e abastecimento nada, eu começava a sentir sede, as pernas pesadas, a ansiedade a aumentar e a cabeça a pensar “nunca mais me meto noutra”. Entro na vila de Setenil e informam-me que o abastecimento estava a aproximadamente 1km,até que enfim, só mais um esforço, mais uma subida e lá estava o abastecimento com uma placa a informar os 58kms !!! . Decidi logo ali descansar dez minutos, tratei de abastecer com sandes de “jamon” , uns docinhos que lá havia, Coca-Cola e água. Já restabelecido, as reservas repostas, a cabeça “no lugar”, toca a andar!
Saio do abastecimento e não é que se começa logo a subir! E que subida!
É durante esta subida que encontro o grande estímulo para acabar esta duríssima prova (sem o saber!). Vou em esforço e por volta dos 60kms sinto a passar por mim dois companheiros a falarem Português, meti-me á conversa com eles e sem combinarmos nada, seguimos sempre juntos. A conversa ajudava a ultrapassar os kms e o esforço não se sentia tanto. Aproveito desde já para agradecer a estes companheiros, ADÍLIO e GONÇALO dos MachadaRunners de Setúbal, se calhar sem a vossa companhia eu não conseguiria terminar esta aventura tão bem, obrigado!
Conversa puxa conversa e venho a saber que o Gonçalo tinha feito em Fevereiro a Transgrancanária, também uma ultra dificílima.
O calor começa a abrandar e aproximamo-nos do abastecimento “Mãe”, em Tercio aos 77,100kms, combinamos os três que neste abastecimento iríamos repousar 15min., eles foram levantar o saco com roupa para mudar e eu fui abastecer. Não faltava nada, era o único abastecimento onde havia comida quente, fui ver o que havia e dou por mim sentado numa mesa, de colher, faca e garfo a comer uma “coisa” tipo canja, algumas batatas fritas e um panado de frango, bebi uma Coca-Cola e só me ria sozinho da situação em que me encontrava. Vou á casa de banho e apanho um pequeno susto, a minha urina estava castanha! Fui beber água, os companheiros já tinham abastecido, os 15minutos tinham passado, por isso estava na hora de seguir. Custou um bocado a recomeçar pois as pernas estavam um bocado pesadas, mas tinha que ser. Vesti o corta-vento á saída desse abastecimento pois sentia frio, coloquei o frontal porque já era de noite e apercebo-me que se tinha juntado a nós um outro companheiro dos MachadaRunners que tinha ficado para trás, o Venceslau. Não andei nem um km com o corta-vento, o corpo voltou a aquecer, a noite estava agradável, a companhia excelente, por isso não faltava nada para acabar esta aventura.
Tinham-me avisado alguns companheiros mais experientes que do quartel até ao fim, ou seja dos 77 aos 101, se demorava cerca de quatro horas. A expectativa era grande, devia ser duríssimo! E não é que era mesmo!(mesmo assim demoramos cerca de 3h45min).
Aparece-nos uma subida de loucos que é conhecida pela subida até ao “Purgatório”, mas o pior de tudo nesta fase, pelo menos para mim, foi a descida, uma coisa brutal, mesmo assim, mais uma dificuldade ultrapassada, isto seriam já os 90kms. Começava já a instalar-se em mim a certeza que chegaria ao fim e num tempo espectacular (o que não era o mais importante). Por esta altura, num dos abastecimentos intermédios urinei e a “coisa” já estava quase normal, era falta de líquidos, o pequenino susto tinha passado.
Por volta dos 95kms dá-se uma situação caricata. Começamos a avistar Ronda ao longe, a noite era cerrada, no cimo de uma montanha, mas o que era certo é que íamos a descer. Comentamos uns para os outros, se estamos a descer, “vamos pagá-las bem pagas”, dito e feito, por volta dos 97kms aparece-nos uma parede autêntica, são cerca de três quilómetros duríssimos, mas nessa altura já nada me demovia do meu grande objectivo. Chegamos ao fim da subida, reagrupamos e decidimos cortar a meta juntos, pois o espírito de camaradagem foi tão forte que não era naquela altura que nos íamos separar. Corremos pelas ruas de Ronda, ouvíamos vozes de incentivo “Campeon, Venga Venga”, vemos a meta ao longe e a glória tinha chegado!
A alegria era imensa, não sabia se havia de rir se havia de chorar, colocam-me a medalha ao peito, e eu todo orgulhoso. Vou levantar a minha camisola, comi qualquer coisa, bebi e dez minutos depois de ter acabado tinha o meu diploma na mão:

– PAULO RODRIGUES Tras haber finalizado los 101 kms en 24h, en su 13ª edicion, obteniendo la posición nº 124 de la categoria Marcha Civil VET. Completando el recorrido en 14h 17minutos e 26segundos, con un promedio de 08:29.03 -

De volta ao Polideportivo, tratei de informar a família e alguns amigos em Portugal, tomar banho e, o descanso do guerreiro tinha chegado!!!

Só quero deixar alguns agradecimentos, espero não me esquecer de ninguém:
-Em primeiro lugar á minha família directa, Carmo, Joana, Marta e Rita este “sacrifício” vai inteirinho para vós!
-Ao meu irmão José António e á minha cunhada Paula, o vosso apoio tem sido inexcedível, obrigado!
-Ao Vítor Coelho, António Oliveira, Fernando Santos, Ângelo Pereira, vocês são as minhas grandes referências e os responsáveis por este meu feito!
-A todos os elementos do meu clube “Leões de Veneza”, ninguém me vai levar a mal por isso, um agradecimento muito especial á Flor Madureira. Obrigado a todos.
-Aos meus habituais companheiros de treino, Sr. Tavares, Rogério, Novais, Berto, Melo, Manel, João Paulo, obrigado pelos vossos conselhos, mas este maluco tinha que fazer isto.
-A todos os companheiros dos PortoRunners, obrigado pelos ensinamentos e pelos bons exemplos.
-Por fim agradecer todas as mensagens de apoio que recebi antes e depois, muito, muito obrigado!!

Abraço
Paulo Rodrigues

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